domingo, 28 de dezembro de 2014

Crônica - Manhã de concurso público

Era cedo, todos de pé. O relógio marcava 8h da manhã, e os lençóis ainda preservavam o calor daqueles que já formavam uma fila, que abraçara o prédio do local de prova.
Os minutos pareciam não passar para os adiantados. A fila já formada, com suas silhuetas, foi desfeita em segundos pelos já exaustos "concurseiros" à espera da abertura dos portões, que sentaram ali mesmo no chão sob sol forte.
Aos poucos, mais candidatos chegavam, e em suas faces a estampa da ansiedade. Pudera, quem diria que o futuro poderia estar num papel, descrito em quarenta questões? Esta foi a definição dada por uma jovem à amiga, ainda na fila, que desabafou o fato de já disputar o décimo concurso público, sem sucesso até hoje.
O barulho de portão velho abrindo ecoou feito música aos ouvidos dos suados e impacientes.
"Entrem devagar e mostrem o documento de identificação mais à frente", gritou o fiscal de prova.
A fila foi refeita, ganhou vida e seguiu. O prédio foi tomado por gente de todo tipo, mas gente e gente quente, que fazia o cartão de inscrição de leque.
A ansiedade parecia ter calado os concurseiros, de modo a ser mais fácil ouvir pensamentos que vozes naquele lugar.
Dentro da sala, alguém resolve quebrar o silêncio. "Ei! Ô, menina, que horas pode entregar a prova e sair?", perguntou uma senhora, no auge dos seus 50 anos.
A fiscal de sala respondeu: "A prova começa às 9h30, mas a saída só é permitida após o meio dia."
"Oi? Eu vou ter de esperar tudo isso para ir embora? E, se eu terminar às 10h30, vou ficar aqui sentada olhando pra sua cara nesse frio da peste?", rebateu a mulher, indicando insatisfação com a baixa temperatura provocada pelo ar condicionado.
A fiscal, em tom de ironia, respondeu mais uma vez: "Olhe, senhora, eu não sou tão bonita, admito, herdei os traços de papai, então pode olhar para o quadro, se preferir".
Um coral de risos dá cor à sala.
Aparentemente chateada, a "reclamona" gritou: "Que regra besta! Tinha que ser coisa de alagoano!".
Pronto, ofendeu os bestas, digo, segundo ela.
E uma mulher de lenço estampado resolveu intrometer-se: "Minha senhora, com todo respeito, todo concurso tem suas regras, e duas horas de prova é o mínimo delas".
"Tá, tá! Eu não quero saber de conversa! Deixe pra lá e fique na sua. Oxi!", disse a senhora ranzinza, com toda ignorância que a coube.
"Chega, gente. Vamos concentrar, pelo amor de Deus", pediu a fiscal.

O preto e branco voltou.

Milena De Andrade

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Máscara


Para quem já foi meu sorriso
Hoje você é a máscara da tristeza que carrego em meu rosto
Embaçada pela respiração cansada
Sufoca-me
Abafa meu riso
Impede o mundo de pintar minha face

Sempre fui do teatro
Mas essa máscara não cabe a mim
Algum dia, espero alguém que possa me ver.


Milena De Andrade

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Mentirosos


Quem é da mentira, da verdade não é
Da verdade não gosta
Nem a verdade quer

Não insiste, tola menina
Tua inocência disfarçada de sacanagem não é mentira
É disfarce de verdade, de quem parece querer sofrer

Você quase caiu, de novo
Tocou as belas mãos no chão
Mas levantou-se logo

Não há tempo
Não há mentira
Não há verdade

É tudo como tem que ser
Foi, é, será
Então, continue.


Milena De Andrade